Estou enfraquecido, desanimado e sem entender porque fazem tanta crueldade com nosso povo.
Acredito que pago algum erro de minha vida passada; então, não posso
reclamar... Eu percebi que todos que são diferentes, sofrem essa
perseguição e o castigo da escravidão.
É como se fossem inferiores ou devedores de alguma dívida impagável a essa gente branca.
Alguns conseguem fugir; mas, outros, têm a mesma sina que eu... E muitos: morrem!
Penso em desistir da vida, muitas vezes, mas isso seria um sacrilégio e eu não quero ofender Irokô.
Então, eu me conformo e procuro silenciar, na tentativa de sofrer
menos. Apenas observo e tento aprender a cultura deles, para ver se
tenho maior aceitação e menos castigo.
Não quero esquecer quem eu sou, de onde eu vim e todos os costumes de
meu povo; por isso, eu procuro relembrar a cada dia um pouco mais. Eu
sou diferente de todos.
Eu sou um negro albino. Em minha tribo isso era chamado de criança de Iku ou criança amaldiçoada.
Nasci assim: não sou índio; não sou negro; não sou branco. Então não sei quem eu sou...
mas eu existo e deve haver um propósito nisso tudo. Quantas vezes eu
tentei fugir e quantas vezes eu fui para o tronco já perdi as contas!
Mas, ainda não desisti... Dizem os brancos que nós somos persistentes em nossos objetivos.
Eu sou persistente quando quero alguma coisa e insisto até conseguir...
Mas, dessa vez, meu Pai Olorum, acho que chegou meu fim, pois sinto-me enfraquecido e combalido.
Meus irmãos de raça me descriminam pois sou diferente deles.
Os demais daqui me olham estranhamente, como se eu tivesse uma doença contagiosa.
Então, sinto-me solitário, abandonado e alquebrado. Ainda não perdi
minha fé, pois é a única coisa que me sustenta e que me segura firme na
jornada.
Meus Deuses Africanos são a única coisa que tenho e o que me mantém vivo nessa prisão, de outras terras e de outros costumes.
Anoiteci aqui porque tentei fugir... Já está amanhecendo e alguém está vindo me soltar.
Jogaram em minhas feridas uma espécie de vinagre com salmora, para não infecioná-las...
Sinto muita dor e muita tristeza; ainda não me acostumei com essa
vida. Na senzala, uma negra chamada Nhá Benta me tratou e me cuidou.
Ela tem uma filha: Inaê Cambinda.
Quero me casar com ela e por ela eu ficaria aqui... Estou fraco
demais e quase desmaiando, mas ainda vejo o olhar de Inaê: doce, meigo e
puro.
Não sei se sobreviverei, ou se conseguirei aguentar mais um dia nesse lugar.
Não sei se sou digno de Ti, Senhor Supremo, ou de pedir-te proteção,
mas dai-me uma nova vida e condições de refazer essa jornada terrena,
pois preciso compreender porque me trouxestes até aqui.
Meu Pai Olorum finalizo lhe pedindo, que: Quando me encontrares cansado, com o corpo curvado e pesado por causa da idade...
Dai-me forças para seguir adiante e em frente, porque mesmo assim, pretendo servir-Te para sempre Meu Pai!"